Prefácio e capítulo 01
Por Paulo Victor Sousa
Buscando leituras que tratem da mobilidade e da comunicação interpessoal, além das rupturas e dificuldades epistemológicas relacionadas à midiatização do espaço e à espacialização dos meios, iniciamos no GITS a leitura do livro Place, Media and Mobility, de Shaun Moores.
Shaun Moores é professor do Centre for Research in Media and Cultural Studies, da Universidade de Sunderland, na Inglaterra. Dentre suas obras publicas, destacam-se os livros Media and Everyday Life in Modern Society (2000), Media/Theory: Thinking about Media and Communications (2005) e Media, Place and Mobility (2012). Moores possui uma trajetória endereçada aos modos de uso dos meios de comunicação, aos significados construídos em torno deles e às atribuições individuais que lhes damos. Sua leitura sobre os meios de comunicação de massa não se encontram centradas nos efeitos midiáticos, na construção ou no caminho da mensagem, nem nas estratégias de veiculação ou de produção. Seu interesse é o de desenvolver pesquisas que não coloquem necessariamente os meios de comunicação no foco central das investigações, dando abertura para ir além da compreensão sobre as representações simbólicas ou as interpretações cognitivas em torno dos objetos comunicacionais.
A leitura de Media, Place and Mobility, assim, atualiza leituras, críticas e observações feitas em torno da TV, do rádio, das personalidades midiáticas e do broadcasting, pondo as questões então levantadas no patamar das perspectivas interindividuais e das experiências cotidianas. Embora não seja seu foco explícito, tratamos, no GITS, de fazer indagações similares à utilização de celulares, tablets, computadores portáteis, aplicativos, sites de redes sociais e ambiências similares.
Já no prefácio, Moores trata de sublinhar o foco da obra: sua abordagem mais geral lida com a variedade nas formas de comunicação contemporâneas, especificamente aquelas que estão pautadas num uso rotineiro e que fazem sentido às pessoas. Com maior especificidade ainda, trata de perceber questões relacionadas à mobilidade e à formatação do lugar – que, numa linha mais de experimentação e subjetividade, vai além da concepção de um espaço cartesiano. Trata-se, assim, de buscar perceber as interveniências, potencialidades e diferenças nos arranjos que a comunicação móvel pode arregimentar na prática cotidiana. Eis, portanto, o desafio de se realizar observações dessa natureza sobre o uso de dispositivos comunicacionais móveis.
Cap. 01 – The Situational Geography of Social Life
Inicialmente, Moores parte de implicações geográficas e informacionais já levantadas por Joshua Meyrowitz em seu No Sense of Place. Nesse livro, vale lembrar, Meyrowitz, põe em diálogo as abordagens de McLuhan e de Goffman para pensar as consequências em torno dos usos dos meios de comunicação eletrônicos. Ou seja, está claramente mais interessado no que terá como decorrência da utilização e menos no conteúdo da mensagem. O título da obra de Meyrowitz faz alusão a novas concepções do espaço diante dos meios de comunicação eletrônicos, sobre como o lugar passa a ser (re)considerado nessa equação e como as situações sociais mudam radicalmente com a interveniência das comunicações mediadas.
A discussão principal do capítulo se dá com maior atenção à interveniência dos meios eletrônicos sobre o espaço e como este entra em crise com as novas disposições comunicacionais observadas com a TV e o rádio, por exemplo. Uma vez que Meyrowitz considere uma espécie de esfacelamento do lugar, Moores de antemão se apresenta crítico quanto à essa perspectiva de “placeless”, dando indicativos sobre como vem enxergar tal problema conceitual: em vez do sumiço do lugar, Moores prefere pensar numa duplicação do mesmo (doubling of place), ideia proposta por Paddy Scannel voltada, na verdade, aos meios de massa.
Apesar da crítica inicial, Moores considera que o grande feito de Meyrowitz foi ter conseguido sintetizar duas perspectivas que pareciam ser incompatíveis: de um lado, McLuhan observava as consequências de tecnologias midiáticas no que diz respeito aos modos de organização social, com pouca ênfase no que tange à interação entre as pessoas; de outro lado, Goffman preocupava-se com os encontros e interações presenciais, sem levar em conta novas formas de comunicação à distância (embora tenha chegado a fazer algumas considerações sobre). Ao juntar as duas perspectivas, Meyrowitz resultou naquilo que chamou de situations as information-systems, ou situações como sistemas de informação – conceito já tratado aqui.
Situations as Information-systems
Ao desmontar e propor outra concepção para o conceito de situação, Meyrowitz argumenta que as situações devam ser pensadas a partir de “padrões de acesso à informação” (sendo que o sentido de “informação” é relacionado a uma performance social, aquilo que damos a saber aos outros). Essa perspectiva, salienta-se, busca ser inclusiva, no sentido de se poder estudar tantos os encontros presenciais quanto aquelas conversações que estão mediadas entre atores distantes – é notório, por exemplo, que o uso de celulares em espaços públicos gera ruídos e incompreensões quanto às definições da situação em que os atores se encontram. Daí a ideia de não ser ater simplesmente às paredes ou demais barreiras físicas para se contextualizar, definir e manter as situações. Nas palavras de Meyrowitz:
Now … information is able to flow through walls and rush across great distances … the social spheres defined by wall … are … only one type of interactional environment. (p. 4).
Moores salienta que essa citação é bastante importante para seu trabalho pois mostra como estamos lidando com mudanças nas formas como as pessoas interagem – e isso acaba por ter ressonâncias em diversas dimensões da vida cotidiana, como bem levantado por Meyrowitz. Moores trata, por ora, de duas: a) as fronteiras (in)definidas na contemporaneidade; b) a mobilidade mediada pela tecnologia. De uma forma ou de outra, essas duas questões se encontram subjacentes à frase “Through electronic media … social performers now ‘go’ where they would not or could not” (p. 5).
A Placeless Culture
A maneira como Meyrowitz conduz a discussão faz parecer que vivenciamos, por volta do final do século XX, a uma morte do espaço. Como num passe de mágica, os meios eletrônicos pareciam conseguir superar as constrições geográficas e “levavam” informações de um continente a outro. Com efeito, as capacidades do imediatismo, do liveness, da cobertura instantânea conseguem criar uma ilusão de que o espaço e a distância não mais eram elementos cruciais a serem pensados. Nessa seção, pois, Moores faz notar sua crítica à ideia de “placeless” desenvolvida por Meyrowitz, propondo outras maneiras de se observar o espaço a partir dessa mediação eletrônica.
Em No Sense of Place, o termo “lugar” refere-se tanto a posições sociais quanto a locais físicos. O primeiro sentido, sendo uma metáfora, diz respeito a papeis, status, hierarquias etc., e tal metáfora se encontra assentada numa curiosa relação entre as paredes e as posições sociais: “People have traditionally come to know their place by playing partciular social roles in particular interactional environments that are ‘defined by walls’ (p. 9). Uma vez que as próprias interações sofressem mudanças tanto quanto os arranjos midiáticos e geográficos, faz sentido que haja também mudanças na ordem social e no modo como indivíduos se arranjam e interagem.
Contudo, Moores saliente 5 críticas bem específicas quanto a essa noção de lugar e suas relações com os meios eletrônicos proposta por Meyrowitz. São elas:
1) Meyrowitz superestima os graus de transformação social, o que acaba por ser bastante tecnodeterminista. O exemplo do telefone (num quarto de um adolescente ou numa suíte de um empresário) é ilustrativo: Moores diz claramente duvidar que o simples acesso aos meios eletrônicos possam trazer equalizações sociais. Ora, tanto o jovem quanto o executivo podem ligar para um banco, mas isso não significa que terão os mesmos recursos às mãos ou serão tratados igualmente. Há certamente elementos simbólicos e elos sociais que implicarão em tratamentos ou avaliações desiguais. Não fosse isso, qualquer um conseguiria um empréstimo por telefone ou site do banco…
2) Sua explicação para transformação social é muito centrada nos meios, o que parece contraditório, uma vez que Meyrowitz reconhece que as explicações não podem passar por causas únicas. Ora, o exemplo anterior também pode ilustrar essa questão: há relações que estão além da simples posse ou acesso ao telefone ou aos canais de comunicação com o banco.
3) Meyrowitz subestima a significância da localização física. As discussões com Scannel e sua falta atenção ao estúdio já dão apontamentos nesse sentido – ora, o local de produção das mensagens também é um lugar e deve ser considerado numa perspectiva de onde se encontram os meios (afinal, uma TV, um rádio ou um site não se encontram alhures). Nick Couldry (também já discutido no GITS) também faz ótimas discussões em relação a isso, especialmente ao descrever como os centros midiáticos conseguem incorporar poder a si mesmos em suas práticas comunicacionais.
4) Moores propõe pensar os arranjos midiáticos também como lugares, em vez de considerar que a tecnologia defenestra o lugar para uma posição fora do jogo. Um exemplo dessa percepção estaria na afirmação de Meyrowitz: de que os meios eletrônicos estariam “trazendo diferentes tipos de pessoas para um mesmo ‘lugar'” (p. 13). Ainda que ambos se refiram a “espaços” imaginados dentro de canais ou programas de TV, por exemplo, é notória a relação que se pode fazer aqui com canais de bate-papo, sites de redes sociais e similares, os quais podem ser considerados muito menos como conjuntos de código-fontes e elementos visuais e mais como espaços e lugares dentro de um arranjo espacial maior, o ciberespaço. De qualquer forma, vale frisar como Moores se apropria das ideias de Scannell para argumentar que “place, far from being marginalised, is instanteneously ‘pluralised’ in electronic media use” (p. 13).
5) Para Moores, há algo mais que apenas o lugar (em seu rigor de localização), mas há também um sentido de habitar. No entanto, ele deixa essa ideia pouco desenvolvida para pensá-la mais adequadamente no capítulo seguinte.
The Doubling of Place
Encaminhando a finalização do capítulo, Moores se volta à ideia de duplicação do lugar efetuada pelos meios eletrônicos. Há, aqui, uma clara distinção no modo como Meyrowitz encara a produção do espaço e como Scannell vê – e é na visão deste último que Moores se agarra. Moores explica que a ideia de duplicação se relaciona a eventos transmitidos, os quais são, por definição, planejados e/ou montados justamente para tal fim, na intenção também de se produzir uma sensação de estar-lá (seja do Copa do Mundo, seja uma Guerra do Golfo, deparamo-nos, em tais eventos, planejamentos específicos que envolvem certa “produção” do acontecimento). Há, claro, diferenças entre estar fisicamente no local e ser “envolvido” pelos elementos midiáticos, pelos personagens (repórteres, âncoras, apresentadores, garotos-propaganda) e pela cobertura audiovisual em si, mas o que interessa de ser compreendido é que os eventos públicos dessa natureza são pensados para “ocorrer” em dois lugares distintos: no local “de fato” e no conforto do lar, cada um com seus sentidos específicos de ocorrência.
Moores faz alusões similares àquelas feitas por Nick Couldry: levanta considerações sobre os personagens midiáticos, tais como a Princesa Diana, e a perturbação emocional, subjetiva e doméstica que sua morte ocasionou. Em linhas gerais, a discussão aponta para inquietações quanto à intimidade construída/emulada, como o lugar é posto num patamar para além da localização física e quanto à complexidade fenomenológica dos eventos públicos na atualidade (embora não Moores não entre nas discussões sobre a internet e os espaços eletrônicos, podemos pensar como eventos tais como as eleições, a Copa do Mundo e as manifestações de julho de 2013 ecoaram no Twitter e Facebook, e rearticularam as ocorrência in situ). Em outras palavras, essa complexidade aqui se traduz na existência simultânea entre o “event-in-situ” e o “event-as-broacasting” (p. 19). Além disso, Moores sublinha a abrangência da escala geográfica dos eventos transmitidos, e como eles acabam encontrando desafios de contextualização em outros lugares distantes do lugar de transmissão original.
Essa mesma discussão é, por fim, trazida para um patamar mais próximo das interações sociais e menos relacionados às transmissões de TV e rádio, especialmente quando Moores faz perceber as dificuldades de contextualização e os colapsos geográficos-situacionais de conversas telefônicas (onde está a pessoa que fala e se desprende do lugar?) e sobre como devemos tratar os espaços, na atualidade, como contínuos: em vez de pensarmos as ambiências e os arranjos eletrônicos como tendo configurações espaciais à parte, é necessário que os percebamos ambientes de continuidade social.
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